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quinta-feira, 2 de outubro de 2014

Um mundo sem cor

Nunca gostei de reler meus escritos. Sinto-me mal por eles. E confusa. Por vezes, boba. Inocente. Inconsequente. Por vezes, não sinto, porque não consigo me recordar do que sentia. E eu sempre sinto quando escrevo. 

E escrever é exatamente isso. Deixar o sentimento escorrer pelos dedos. 

Quase sempre, na companhia solitária da minha tristeza. Não consigo me desapegar dela, até porque é só nela que eu sou eu, e é só nela que as minhas palavras ganham vida. Tem que ser intenso, senão fica feio, ruim e sem graça.

Dias difíceis, dias nem tanto. E dias mornos, que em geral são ruins. Sinto falta de sentir.

Coincidentemente, dia desses tive contato com dois dos meus textos. Sem querer. Sem procurá-los. Eles bateram na minha porta. Estão perdidos aqui mesmo, neste blog. Dois escritos nos dias mais cinzas que eu me lembro de ter vivido. Tempestade que estava prestes a cair, mas ficou apenas parada, como nuvens pesadas encobrindo o sol. Não choveu. Não molhou a terra. Não fez nada germinar. Apenas permaneceu, para que o sol não brilhasse.

Um dos textos era duro. Eu sendo dura comigo, e materializando uma frustração sem tamanho. Um misto de vontade de mostrar pro mundo que a tristeza era apenas raiva junto com a certeza de que a raiva nunca conseguiria, por si só, esconder o que de mais triste eu encontrei pelas minhas andanças. 

Era o ponto final de uma frase que nunca chegou ao seu fim. E eu nunca soube (ainda não sei) como lidar com pontos finais. Logo eu, que sou tão reticências.

O outro, também retratava a mesma dor, mas como águas tranquilas de um mar azul no fim da tarde. Um barulho incessante de ondas quebrando sem sentido, sozinhas na areia que nunca se move. Uma entrega involuntária a algo contra o que eu nunca consegui lutar. Era apenas a aceitação.

Dois retratos, da mesma imagem desfocada. E nem mesmo na minha mente, não consigo mais ver com clareza o que antes parecia perfeito. Apenas não é mais. Ou não foi. Ou nem poderia ter sido.

Como previ, nunca mais recuperei as cores. Meu filme queimou. Mas roda. Funciona, por trás de pequenos sorrisos, pequenas satisfações momentâneas, pequenos pedaços de um todo que não vai mais se formar. O preto e branco agora não machuca mais.

A menina que sabia escrever continua procurando cantos escondidos para deixar suas marcas, seus sinais, suas pistas. Já não sabe mais se há quem siga, quem procure, quem deseje. E não se importa. A menina era eu, e agora eu sei que deixar de ser menina não é bom. Porque descobrir que o arco íris não existe fez com que ela parasse de buscar o ouro.

Descobri que a vida é um jogo. Mas a minha vez já acabou. Então apenas me mantenho sentada, à margem do campo, observando aqueles que ainda não sabem que logo vai acabar, e que, exatamente por não saberem, jogam com tanta vontade.

Sem chorar pelos cantos, sem querer que tivesse sido diferente, sem acreditar que vai mudar. Eu não fico mais tão triste. Também não fico tão feliz. Apenas espero o jogo acabar.

quarta-feira, 3 de setembro de 2014

Dia desses


Dia desses eu estava aqui, toda brava, por toda gente que não sabe de todas as coisas  eu sempre tenho para fazer e por fazer, e que ainda assim fala todas as palavras e pensa todos os pensamentos sobre tudo aquilo que nem eu digo e penso. Não me cuidam, mas não deixam de me apontar os dedos.

Não me incomodam mais, porque o dia de me incomodarem já passou. 

Tantos sentimentos, de tantas formas, que se transformaram em tantos substantivos diferentes. Com ou sem adjetivos. 

Não expressei minha braveza. Guardei ali num canto e ficou tudo no ontem. Ou foi embora com o vento que me arranhou a face, já judiada por tantos sorrisos que precisou criar para esconder tantas  cicatrizes de dias desses que já não são mais hoje.

Hoje, que já não é mais dia desses, eu lembrei. E eu sorri. E eu gosto quando lembro e sorrio, mesmo sabendo que não me deu nenhum motivo para sorrir. Nada mudou, porque pouco muda. Ou pouco importa o que muda se não muda aqui dentro do que é meu. E se tivesse mudado, o que diriam? Por que diriam? Não importa, porque sempre diriam.

Umas tantas dessas perguntas brotam em dias como as noites de hoje. E umas tantas dessas pessoas brotam nos caminhos que não são mais os caminhos de hoje.

Dia desses reencontrei, nesses novos meios que existem para reencontros, gente que um dia foi dia do meu dia, e que hoje tem tantas outras coisas para fazer e por fazer. E tantas outras gentes que são dias dos seus dias. E rimos e lembramos e revivemos, cada um na sua lembrança, os dias de anos atrás, que ficaram no hoje apenas como memórias boas.

Tantas desventuras e tanta falta de responsabilidade numa época em que nos era permitido ser irresponsáveis. E fomos. E hoje sentimos orgulhos de termos sido, porque formou um pouco do que somos e do que nos tornamos e daquilo que sabemos que não podemos mais fazer. Porque aquele tempo passou.  E que bom que aquele tempo existiu. E que bom que aquele tempo passou.

Hoje, que não é mais dia desses, o que era pôster de banda de rock colado na parede do quarto se transformou em borboletas e quadros com imagens que bebês nas paredes dos quartos que não podem mais ser tão rebeldes como foram dia desses.

Os dias por vir serão como os dias que foram dias desses. Mas estaremos do outro lado. E saberemos como lidar, porque já estivemos lá. Não pensamos mais no emprego que teremos que procurar. Hoje é filha que cresce, planos que mudam.


No fim das contas, ainda não estou no fim das contas. Mas já gosto dos dias que foram ontem. Mesmo daqueles que me fizeram chorar. Muitos deles fizeram. Lágrimas de cores diferentes, de gostos diferentes e que cortaram a pele de forma diferente. Umas por dentro, outras por fora. Umas rasgando a pele, outras apenas refrescando os olhos.

Um mundo que a cada dia é mais mudo. Um dia que a cada dia é mais meu. Um meu que a cada dia é mais do mundo que eu faço para mim.

Dia desses eu me lembrei do amor jurado, do amor desperdiçado, do amor prometido, do amor não vivido, do amor fugido.

Hoje, que não é mais dia desses, mudei a minha concepção do amor, e não acredito mais nele, mas não costumo dizer isso às pessoas, porque elas têm seus próprios dias desses. E seus próprios amores. E seus próprios meios de acreditar, ou de se enganar de forma tão verdadeira a ponto de acreditar que o que é realmente dor pode ser chamado de amor.

Respeito. 

E é bom ter vivido dia desses para poder relembrar.


segunda-feira, 14 de julho de 2014

Partiu


Dois anos e alguns meses atrás, eu estava na cidadezinha no interior, arrumando as malas para voltar pra capital. Feliz da vida por ter conseguido a chance de trabalhar num lugar legal, por poder oferecer tudo que São Paulo tem para oferecer para a minha filha e, como não podia deixar de ser, chegando pertinho do meu sonho. Um sonho que eu não tinha contado para ninguém que eu tinha. Nem para mim mesma.

O emprego não era assim tão legal e o sonho virou raiva, depois mágoa, depois choro, depois nada. E depois passou. No fim das contas, não era mesmo um sonho bom de ser sonhado. De toda forma,  deixou as devidas marcas.

E dois anos é mesmo pouco tempo, mas eu posso dizer que vivi uns quinze anos dentro desses dois.

Fiquei presa no trânsito e me perdi. Comi em bons restaurantes e assisti ótimos espetáculos. Passeei no shopping, no parque, na rua. Andei de bicicleta e de metrô. Vi manifestações, depredações, injustiça, violência, desigualdade. Me indignei por 20 centavos. Fiquei sem sinal de celular, sem internet, sem tv. E depois, tive tudo que eu não tive. De novo e de novo. Amo essa cidade e não vou deixar de amar.

Hoje, estou novamente colocando em caixas minhas roupas, minhas louças, minha vida. E volto para o interior. Voltou pra onde eu ainda não fui. Outro interior, outro emprego legal, outra casa, outra escola legal para minha filha. Sem sonhos, porque destes eu já desisti. Pelo menos daquele "tipo" de sonho.

Realizada.
E feliz.
Certamente como sempre estive em cada mudança e ao mesmo tempo como nunca.

Saio com a sensação boa de que é mesmo a hora de ir. Que vou na hora certa. Que não estou deixando a minha ansiedade falar mais alto. Que meu dever foi cumprido, e muito bem cumprido. Que conquistei meu espaço. Que cresci. Que fiz a diferença. E que vou novamente fazer a diferença agora em outro lugar. E que aqui, por maior que seja, ficou pequeno para mim.

Sem incertezas. Sem pressa. Sem ter que morar no apartamento que estava disponível. Sem ter que me virar para fazer dar certo. Porque desta vez já está tudo certo antes mesmo de eu ir.

E eu me sinto tão bem...

Um mundo de coisas pra agradecer, um mundo de coisas para esquecer, um mundo de coisas para levar comigo, um mundo de coisas pra deixar, um mundo de aprendizado, um mundo de lágrimas choradas que ficarão no apartamento vazio. Essas não vão comigo.

Mas tem muita gente. E gente que vai comigo. Eu deveria nominar cada uma delas aqui, mas é impossível. Porque muita gente me fez crescer. Fez parte dos meus quinze anos em dois.

Gente que abriu a porta e que permitiu que eu e minha filha entrássemos não apenas nas suas casas, mas nas suas famílias (Ana e Fátima, essas são vocês!).
Gente que trabalhou comigo e me aguentou tantos dias, de bom e de mau humor, sorrindo e chorando, tranquila e brava. E chata. Sempre chata. Eu sei que eu sou chata... nunca neguei isso.
Gente que compartilhou momentos de crescimento da vida escolar da minha filha com todas as  angústias e medos que o crescimento dos filhos traz.
Gente que me ensinou e gente a quem eu ensinei.
Gente que foi mau caráter, e que, ainda assim, mesmo sem saber, fez de mim uma pessoa melhor.
Gente que não estava perto fisicamente todos os dias, mas que eu sempre soube que estava ali.

E teve gente que me machucou. De uma forma que eu nem sabia que poderia ainda ser machucada. Que me fez chorar tanto que eu achei que fosse ficar seca. Que me fez duvidar. E que me fez perder a crença em algo que eu, pela última vez, tinha me dado a chance de acreditar. 

Sim. Esse era o sonho que virou mágoa, que virou raiva, que virou bla bla bla bla.

Eu optei por ficar perto do fogo, sabendo que poderia me queimar. E me queimei. Levo agora a pele deformada pela cicatriz que não sai mais, mas que me lembra que apesar de tanta dor, eu sobrevivi.

É, eu sei... mi mi mi. Sou dessas.

Pra algumas pessoas, eu estou indo embora. Pra outras, estou apenas indo ali. Mas continuarei sempre aqui. 

É a minha vez, e a minha vida vai começar de novo, como já começou tantas vezes. 

Agora eu já posso parar de contar o dinheiro e começar a contar as estrelas. Porque é verdadeiro o verso da música que diz que a gente só odeia a estrada quando sente saudade de casa. E aquilo que sempre me disseram que era meu e que estava guardado para mim, eu encontrei.

Estou indo para casa.

Encontrei a paz de espírito que eu nem saiba que era tão gratificante. Encontrei a tranquilidade que eu nem sabia que não tinha. E encontrei a mim mesma exatamente no mesmo momento em que eu descobri que era isso que eu estava procurando.

Completa.

Obrigada, São Paulo. Voltarei sempre.

domingo, 22 de junho de 2014

Algumas coisas nunca mudam

E então, tempos depois, eu sinto novamente aquela vontade estranha. Eu preciso escrever.

Eu poderia fazer uma lista enorme de desculpas, e todas elas seriam (como de fato são) compreensíveis e justificam o fato de eu não fazer mais como eu fazia antigamente. Simplesmente sentar na frente do computador e esvaziar a minha mente em palavras. E depois, deitar e dormir. Porque isto é a única coisa que me acalma. Sempre foi. E tenho a impressão de que sempre será.

Mas então eu estava hoje, assistindo um episódios de uma série qualquer que eu acho por aí (e começo a assistir e nunca mais consigo parar, até que chegue ao fim) e uma frase dita fez com que eu me lembrasse. 

Eu me lembro agora. Eu me lembro do que eu sou, e eu sou isso. A menina que fica sempre sozinha em casa aos sábados à noite, assistindo e ouvindo a filha dormir. A menina que às vezes precisa ficar parada na sacada, olhando para o nada e ouvindo o silêncio, enquanto um mundo de pensamentos se organizam na mente e imploram para se tornar texto.

No meio de todas as desculpas, há esconde a decepção. E com ela vem a marca. Mais uma marca. Cicatriz que por vezes fica quase invisível, mas que, como as outras, não vai mais desaparecer.

A frase era: "quando você mente uma vez, tudo muda".

E fez sentido para mim não porque eu menti ou porque mentiram para mim. Mas porque eu já passei por esses "marcos". Essas situações, que nem sempre são perceptíveis, mas que mudam tudo, e que simplesmente fecham uma porta atrás da gente depois que passamos. E não há retorno. 
Eu aprendi tanta coisa, e mesmo assim não aprendi quase nada. Porque ainda me engano com as mesmas promessas que nunca são cumpridas, e ainda espero as mesmas coisas que não podem e não devem ser esperadas. E me machuco de novo, quando o machucado ainda nem sequer começou a curar.

As coisas que ninguém sabe. As coisas que não podem ser escritas. Indo e vindo, provavelmente pra sempre, se é que existe um sempre.

Não me questiono mais porque, ou o que eu fiz para merecer, ou essas coisas todas de quem não entendeu ainda que para tudo há um motivo. Mas aceito. Calma e pacífica. E, acima de tudo, distante. Aceito porque as escolhas que não são minhas não podem trazer consequências para mim. Já me bastam as minhas. Aceito porque das escolhas que são minhas eu não fujo. 

Não crio histórias na minha mente só para que eu possa acreditar nelas. Eu encaro. Porque nunca houve, para mim, essa válvula de escape que conforta. 

Pelo contrário. Há mais por vir para mim. Mais coisas boas e mais coisas ruins. Independente de como for, eu vou estar lá.

O que é meu, me será dado.